a poesia começa no gole e acaba no cuspe
a poesia só é possível no anonimato

matemática esquiva

há 30 anos
se ia ana c.
dia 29
aos 31

eu não sei fazer conta
mas seu nome
ressoa de longe
sempre que minto
sobre mim

essa soma abrupta
que revolve a terra pura
denuncia seu corpo
branco açúcar
blue jeans

e essa mulher
que não houve
não coube em si,
não lamenta
seu vulto ancorado no espaço

exterminado anjo louro

a janela aberta
a teus pés
eu pulo daqui
Lá se vai a mocinha.
O amor debaixo do braço.
Era outro
o dia de tentar.
A paixão se alimenta
de sombras
e de sóis.

EX-TERMINAR

e então é esse ranço, esse avanço
essa ausência de descanso
esse pequeno pranto manso
que desafoga os devires

as mãos estão livres
e daí?
não há onde segurar
na distância que se imprime

falsa é a mansidão
pois que afoga
horas e horas
essa rima frouxa
e sem solução

te ex-termino
baixinho
como água suja
que se es-vai
onde o ralo é puro es-pinho

há um nome feio
por baixo da minha boca
há o rímel
grudado na pálpebra
parece farpa?
é doce-insone-insosso-apenas-teu-nome

etílico

é um blues que eu cantaria pra você agora se minha garganta não estivesse seca
pequena melancolia dramática arfando no peito
coisa que com a manhã de sol não condiz
não condiz
apalpo umas coisas espalhadas, sem saber
infelicidade de ver
rima pobre

vértice não, vísceras
vou bem, obrigada
aceito sim, um chá
aceito tudo, aliás
sou muito receptiva, dizem
quer? quero
então vamos
vamos vamos

dá um cigarro
aquela velha história de ter que ter
algo nas mãos
pode ser uma faca, uma pedra torta
mas afinal
ria, me faça rir também
escolher coisas pra falar
escolha
- não é a primeira vez que acontece mas das outras eu fingi que não acontecia

some
e me leva
me escolhe
vou ler teus poemas debaixo do muro
vou virar um gato arisco no escuro
os olhos mortos de um peixe
fisgado pela vaidade
de encontrar a média perfeita
entre o ato e o outono
Olha, preciso dizer que estou impressionada com você.

Não, não, estou expressionada.
Sempre preferi Klee a Monet.
(Desde a escolinha).

Intervalo

Na tua mão
não valho mais
que cinco minutos
sonhei com Ana na antecâmara
caras e bocas no filme de celofane

[interrompi o sonho pra dizer bobagens em ouvido alheio]
mas tenho urgência de voltar pra Ana
marcas fundas no lábio entreaberto
pose que não dá prêmio
elegância demais pro meu bom gosto
bom bom
ela sorri
eu afogo
Me
apaga
um
pouco
agora.
não posso ler
poemas de amor
me farfalho lancinante
me lancino farfalhante
ela não virá
nunca mais
avesso

a palavra fica em cima
da corda bamba
quando eu leio quer cair
se, cai meu coraçãozinho se esborracha
ai, essa vida de intelectual
essa panca de intelectual
essa pose
me passa
Hoje acordou um dia
Em que todo mundo
Parece dado à poesia.

(Esse verso. Não era pra rimar.
Talvez seja só o ar,
                           ou eu.)
A tristeza me abate feito um boi.

Anamorfose

“Tenho uma folha branca e limpa à minha espera”
(Inéditos e Dispersos, Ana Cristina César)

saltam instantes da janela
ares sutis
exacerbadas vicissitudes presas no tempo-espaço
tem uma pilha de louça à minha espera

ando assim lúdica
tal qual lucidez que me habita
estamos no nono andar
vertigem insinuada aos olhos
não percamos as utopias

- tem uma pilha de vida à minha espera
Embora não pareça,
Estou aqui descuidadamente esperando notícias suas.
A minha indiferença, quem não vê?
A gata pula no meu colo,
Seu ronronar macio mantém minhas esperanças.

Minha loucura é intencional.

Fim da Linha

Retorno inteira. Não sem dor.